Terceiro Setor: conquistas, fragilidades e desafios
Historicamente ouvimos a doutrina falar sobre “o papel do Terceiro Setor” e a mesma doutrina não é consensual ao definir o tal “papel”, demonstrando então a necessidade de diálogo e reflexão permanentes sobre essa temática.
Primeiro vamos situar o leitor sobre o conceito de “Terceiro Setor”.
Especialistas definem, em senso comum, que o Primeiro Setor seria o de atuação do Estado (no sentido amplo: União, Estados e Municípios), responsável pelas ofertas das Políticas Públicas.
O Segundo Setor seria composto pelas pessoas jurídicas de Direito Privado com fins lucrativos, ou seja, seria o setor das atividades econômicas: indústria, comércio, serviços.
Finalmente, o Terceiro Setor seria o composto pela sociedade civil, que, de maneira organizada mobilizou e institucionalizou juridicamente pessoas jurídicas privadas e sem fins lucrativos, na perspectiva de trabalhar para a população em prol de ações de interesse público e de forma complementar ao Primeiro Setor.
Essas organizações sem fins lucrativos são conhecidas também como ONG, OSC, OSCIP, Institutos, Fundações e Associações e proponho uma reflexão, por hora, sem detalharmos questões de natureza jurídica ou de certificação.
O fato é que, para discutirmos sobre o real papel do Terceiro Setor, é necessário previamente um resgate de alguns pontos importantes, como algumas conquistas, fragilidades e desafios. São conquistas do Terceiro Setor com o decorrer dos anos, deixarem de existir apenas “na lógica operacional” e no empirismo, ganhando espaço na legislação em diversos ramos.
Atualmente temos clareza sobre conceitos e requisitos de constituição de organizações do Terceiro Setor devido à previsão legal na Lei 10.406/2002. Há também clareza de exigências para não sofrerem tributação, pois grande parte dos requisitos se encontram no Decreto 9.580/2018. A mais recente conquista no campo legal em nível federal foi a clareza de detalhes sobre como agir para possuírem parceria com o Poder Público, exposta na Lei 13.019/2014. Já em nível estadual a mais recente conquista foi a isenção do ICMS no comércio praticado pelas ONGs no ES, normatizado através do Decreto 4.590-R/2020.
Esses são alguns exemplos de conquistas no âmbito de legislação. Isso significa que o Terceiro Setor deixou de ser invisível aos olhos do legislador.
No campo das fragilidades deste setor, não podemos deixar de falar, mesmo nesta década, do amadorismo na gestão, que ainda é um grande problema de muitas organizações do Terceiro Setor. O foco em conquistar voluntários apenas para as atividades fins e esquecer de tentar apoio em atividades administrativas/gestão, é um elemento que fragiliza muito este segmento, pois sem controles administrativos, documentação jurídica e contábil regular e sem boas práticas em gestão, os desafios continuarão existindo, pois a dificuldade de captação de recursos nesse cenário será sempre uma realidade.
Então chegamos na reflexão sobre os desafios do Terceiro Setor. O maior deles é a pulverização das fontes de recursos e essa é a forma de alcançar um potencial maior de sustentabilidade e longevidade das organizações. Quanto mais dependente de um número restrito de financiadores dos projetos e ações sociais, mais risco corre a instituição, pois o cenário econômico, financeiro e político do país são elementos sempre instáveis e que atuam diretamente sobre os principais financiadores das ONGs: governos e empresas privadas.
Feita essa reflexão sobre conquistas, fragilidades e desafios, nos resta o cerne do debate contemporâneo: qual o real papel do Terceiro Setor? Seria ser simplesmente um “braço” para terceirização de políticas públicas? Seria atuação maciça para controle e transparência do Poder Público para garantia dos direitos já conquistados em prol da população através de milhares de leis já existentes? Seria assessorar e capacitar cidadãos para acessarem os seus direitos e exercerem uma democracia participativa atuando inclusive nos Conselhos de Direitos?
Se pensarmos em termos percentuais distribuindo nestas 3 possibilidades de atuação, o número de ONGs que cada um de nós conhecemos, muito provavelmente colocaremos quase todas dentro do primeiro grupo, ou seja, na terceirização de políticas públicas, de serviços que deveriam ser prestados pelo Poder Público, mas que estão sendo realizados por ONGs financiadas com recursos públicos ou privados. Pesquisa científica de um curso de Mestrado, realizada em 2014 em Vila Velha/ES, em relação às organizações sem fins lucrativos atuantes na Assistência Social e inscritas no Conselho Municipal naquele ano, demonstrou que de 100% das entidades inscritas 81,48% estavam no primeiro grupo (terceirização de serviços públicos) e 18,52% nos outros dois grupos.
Mas será que seria realmente esse o principal papel do Terceiro Setor quando ele foi idealizado?
Culturas, ideologias, convicções e interesses diversos podem levar a respostas diversas também. Talvez esse seja o novo desafio do Terceiro Setor: repensar seu posicionamento em função do motivo de existência deste segmento.
Ana Cláudia Pereira Simões